18 de agosto de 2011

sobre raças de cães

Um conceito sobre raças de animais domésticos muito comum de se ouvir é pensando nelas como um fenômeno natural, numa espécie de ponte às etnias humanas. Sim, etnias, não existem raças taxonomicamente definidas na espécie humana, não somos tão diferentes. No entanto essa idéia de raça de cães como naturais, é incorreta, se recorrermos a história.

Os animais domésticos passaram a coabitar com humanos por diversas razões. Na verdade o que denominamos domesticação poderia ser entendido como uma forma de simbiose, como falamos em biologia. Os humanos dão abrigo, alimento e proteção para os filhotes aos animais e estes geram alimento ou outros tipos de serviço aos humanos. Não quer dizer que os primeiros nômades que domesticaram animais estavam tentando fazer o bem a esses animais, eles queriam aumentar as suas chances de sobreviver! Mas a coisa funcionou bem, por milhares de anos.

Aos poucos o homem foi se organizando em forma de sociedade, civilização, agricultura, cidades..... e uma idéia passou a ser muito importante: a idéia de trabalho. Para que todos pudessem viver bem, deveriam trabalhar. Dentro de cada núcleo, familiar ou não, foram sendo criadas rotinas a fim de executar os trabalhos (como arar a terra, plantar, lavar, cozinhar etc). Nesse sentido surgiu a idéia de função e, mais, de necessidade de haver uma função para existir trabalho para manter a sobrevivência.

Assim, os animais domésticos, assim como os humanos, passaram não apenas a coabitar ou a servir de alimento mas também passaram a ser funcionais. Se um cavalo ou um boi puxavam bem o arado, cumpriam sua função, eram úteis; ou um cachorro que espantasse um intruso e assim vai... A partir da idéia de que os que cumprissem melhor a função eram mais úteis, os humanos passaram a realizar um tipo de seleção desses animais.

Existiam diversas formas de selecionar animais: os que adoeciam, morriam; os que não agüentavam o ritmo de trabalho, morriam; os que causavam prejuízos ou acidentes, eram mortos; os que não conseguiam conviver, morriam. De forma que apenas os que cumprissem bem a função e sobrevivessem a elas, sobreviviam.

Ao longo do tempo os trabalhadores perceberam que plantas ou animais nascidos de outros fortes e capazes costumavam ser, também, mais fortes e capazes. Então passaram a, conscientemente, cruzá-los a fim de conseguir animais e vegetais ainda melhores. Até o século XIX, o século de Darwin, isso era comum de se estudar. Tanto que para eles o estudo de Mendel era mais um, dos muitos, estudos de melhoramento vegetal.

O que significa que eles sabiam que algo era transmitido de pai para filho, mas não conheciam nem gene nem genética. Tinham milhares de explicações sobre o que e como era passado, mas não a idéia que hoje, nem o próprio Mendel tinha.

Enfim, ao observar esse tipo de seleção aos animais domésticos (que agora chamamos de seleção artificial) e juntando a isso suas referências como Henslow, Lyell, Malthus entre outros, além das suas observações no navio Beagle, Darwin teve a idéia de seleção natural. O seu livro a Origem das Espécies foi o estopim da bomba para a grande controvérsia ente os criacionistas e os evolucionistas que permanece até hoje.

O que isso tem a ver com as raças??? Bom, além do Darwin ter muitos cães e, em diversos livros, comentar sobre o comportamento e outras questões de criação, das suas idéias e dos outros darwinistas (pessoas que os apoiavam) surgiram diversos novos conceitos. Por exemplo, os cães, como outros animais, eram selecionados especialmente devido a função, ou era ou não era útil. Com as idéias que se seguiram, a estrutura corpórea passou a ser pareada ao desempenho. Foi assim que alguns grandes nomes, como Max von Stephanitz (que criou o padrão da raça pastor alemão), passaram a tentar formalizar uma estrutura padrão para aqueles cães que cumpriam as determinadas funções.

Aos poucos todas as raças e suas funções passaram a ser oficializadas e as associações passaram a se organizar para buscar aperfeiçoar aqueles cães. Ou seja, os cães já existiam, o padrão foi feito para mantê-los similares, úteis e, se possível, aperfeiçoá-los. Com isso, espera-se que algumas doenças, que agora sabemos genéticas, possam ser eliminadas através da seleção rigorosa, com animais mais saudáveis, fortes e........ úteis.

O que eu vou deixar para o debate é: nossa sociedade mudou muito. A tecnologia fez algumas utilidades se perderem e outras aflorarem. Hoje, pensamos em cães guias, em cães que mordem sob comando e também largam, em cães que fazem companhia e se comportame em qualquer lugar, cães tolerantes com crianças, cães de faro, cães de resgate, cães de exposição que devem ser belos, cães de guarda de casa, de empresa, guarda pessoal etc.... funções bastante diferentes das originais, não é? Com certeza o padrão das raças muda e algumas atendem melhor algumas funções que outras. Mas se a função do cão pode mudar, o que dizer da estrutura? Será que tem que se manter a mesma? Um labrador de caça é o mesmo que é guia de cegos? Qual será nossa prioridade agora, escolher nossos cães por temperamento e função ou pensar apenas na estrutura rigorosa descrita há 2 séculos atrás???